Nas areias doces da Ilha do Mel.
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Foi muito legal ser deixado diante da antiga torre da Marinha do Brasil, em plena areia das praias da Ilha do Mel.
Eu estava curioso para saber sobre essa Ilha que durante anos mexeu comigo, que me fez ficar acordado durante muitas noites fazendo planejamentos, lendo muitos relatos de cicloviagens, matutando como eu faria para chegar lá. Depois, em 2011, vieram as cirurgias de coluna, a recuperação e o sonho de cicloviajar para a Ilha do Mel ficou distante... apenas um ponto na estrada das possibilidades.
Agora eu estava lá, em carne e osso. Peguei um punhado daquela areia branca nas mãos, olhei para o infinito e agradeci ao Papai do Céu por me conceder mais esta oportunidade.
Mentika na areia da praia da Ilha do Mel, diante da torre da Marinha do Brasil.
Subi na bike e saí pedalando alegremente em direção ao... em direção á... sei lá, em direção a algum lugar onde eu pudesse, com barraca ou pousada, ficar tranquilo e curtir a Ilha.
Ruínas
A areia era dura, ótima para pedalar. Até as mutucas, monstros sugadores de sangue, deram uma trégua.
Não demorou muito e avistei um Forte. Lembrei que o Valmir do Casal Pedal falara sobre esse Forte e as fotos que tirara junto aos canhões. Rumei para lá.
A porta estava aberta, deixei a bike do lado de fora e entrei. Fui recebido mui gentilmente por um jovem guia que pediu e me ajudou a por a bike para dentro, para que eu pudesse admirar a fortaleza, beber uma água gelada e ao mesmo tempo tirar umas fotografias do lugar. Fantástico! Um lugar muito bem cuidado, bem guardado e administrado por pessoas educadas e gentis.
O recepcionista e o guarda do Forte. Obrigado pela água geladinha!
Canhões no alto da muralha.
Foi muito emocionante saber que eu estava num local onde alguns séculos atrás a Princesa Isabel também estivera, por ocasião de um almoço de inauguração.
Despedi-me do pessoal, após ser orientado em como chegar ao centro, num local chamado Brasília, onde há um trapiche de embarque/desembarque de barcos para o continente (Paranaguá) e passeios.
Ao fundo a Praia do Farol.
O parceiro e cicloviajante Sombra estava apressado e ia na frente.
Praia do Farol, um local muito procurado pelos turistas e moradores locais.
Quando cheguei a Praia do Farol perguntei para um casal onde havia uma trilha que me levaria para Brasília e eles me orientaram. Aproveitaram para pedir para que eu batesse algumas fotos suas.
Nem lembro que hora era, mas sei que já estava no fim da tarde. Bem, não só no fim da tarde, mas também no fim das minhas forças, pois eu saíra cedo da Ilha do Cardoso, enfrentara um monte de adversidades e já estava alí. Confesso, estava sujo, tinha areia até nos meus ouvidos! Precisava urgente de um banho rejuvenescedor.
Peguei uma trilha e logo foram aparecendo as lojas, os restaurantes e pousadas. A primeira pousada que parei e perguntei se havia lugar para um pobre cicloturista cansado falou em R$ 150,00 a diária e mesmo assim não tinha vaga; estava tudo locado. Minha nossa, pensei, desta vez o Antigão vai falir!
Como dizia o Poeta De repente, não mais do que de repente, de repentemente aparece um Hostel na minha frente. Hostel Marymar: R$ 40,00 por pernoite em quarto coletivo, com café da manhã. Assinei a ficha na hora! Duas diárias. Não seria o suficiente para curtir toda a Ilha, mas daria para eu dar umas esticadas pelas redondezas e descansar um pouco.
Nem descarreguei a Mentika, tadinha, estava malhada,
com relação e tudo o mais cheio de areia e maresia.
No quarto com dois beliches só tinha um espanhol, muito boa gente, oriundo de Barcelona. Estava viajando pelo Brasil e já estivera em alguns lugares do país onde eu também já estive, então foi fácil estabelecer uma amizade. O Mathias fala até muito bem a língua portuguesa. Feitas as apresentações, tomei um hiper banho morno e saí um pouco para conhecer a redondeza.
As alamedas da Ilha. Lugar paradisíaco, onde não existem veículos motorizados!
Olha o veículo utilizado na Ilha aí do meu lado.
Bom, devo dizer que o único incômodo eram as mutucas. Infelizmente elas estavam presentes em determinados lugares da Ilha.
Pá! um tapa na perna e a exclamação costumeira:
- FDP não pica mais ninguém! Era o que mais se ouvia e via.
Interessante que não era em todos os lugares que elas estavam presentes. No Hostel elas só apareciam na varanda, próxima ao mato. Nas demais dependências raro era ver uma mutuca.
O Mathias me deu uma excelente dica: Nos bares locais uma latinha de cerveja gelada girava em torno de R$ 3,50 a 4,00. Ele me indicou um Mercadinho onde a mesma era vendida por R$ 1,99 geladíssima.
Á noite comi uma bela de uma pizza de 4 queijos, num restaurante local. R$ 20,00 a grande.
Ao chegar de volta ao Hostel, uma vez que o Smartfone estava regarregado e o Hostel tinha Wi-Fi, Acessei a Internet para ler os e-mails e postar algumas fotos. Quando entrei no Face fiquei estarrecido!: Minha filha postara na minha timeline um acidente fatal com uma amiga de família; pessoa de dentro de nossa casa, como dizemos em São Paulo. Tomei um choque! Meu companheiro de quarto, o Mathias, vendo-me empalidecer perguntou assustado: - O que foi, Waldson? Contei-lhe como aquela pessoa era querida da minha família e o que lhe acontecera, ceifando-lhe a vida.
Mas, como eu mesmo digo: Deus sabe de todas as coisas e quando chega a nossa vez não há o que argumentar. Ele dá a vida, Ele a tira e ponto!.
Entrei em contato telefônico com a minha filha e soube como a nossa família ficara abalada com o acontecido.
Foi uma noite de sono difícil. Dormi mesmo vencido pelo cansaço.
No dia seguinte não acordei muito cedo. Passava das 8:30 horas quando me levantei. Tomei o café da manhã e me preparei para ir ao Farol. O sol estava torrando os miolos já na parte da manhã e eu sabia que subir aqueles cem número de degraus não seria nada fácil. Vesti uma calça de tactel, pois meu tornozelo e canelas já não suportavam mais as picadas doloridas das mutucas.
Já tinha caminhado uns 1500 metros quando minha havaiana arrebentou a tira. E agora, voltar? Subir os degraus pegando fogo descalço era inviável. Logo vi uma cerca com alguns pedaços de arame fáceis de serem retirados. Assim, em pensamento pedi licença ao dono do imóvel e tirei um pedacinho de 10 cm de arame da cerca, sem comprometê-la. Consertei a Havaiana e continuei a caminhada em direção ao Farol.
Muitos degraus para chegar lá em cima.
Mas logo que se começa a subir já se observa a recompensa pelo esforço.
Uma rampa para logo recomeçarem os degraus. O Farol repousa imponente no alto da montanha.
Esta é a chamada Praia de Fora, um charme.
Esta é a Praia do Farol e a rampa de acesso ao Farol propriamente dito.
Á medida que se vai subindo a paisagem se descortina numa fabulosa recompensa.
O Farol construído a mando de Dom Pedro II.
O mundo a meus pés!
No caminho de volta...
Amigos que fiz nos dois dias que fiquei na Ilha.
O enorme Teiú passeia livremente pelas dependências do Hostel.
Passei um dia muito legal na Ilha e cheguei mesmo á conclusão que morar naquela Ilha é realmente viver no Paraíso terrestre. Nada de poluição sonora ou atmosférica, não existem carros, trânsito engarrafado, etc. É o homem integrado á Natureza.
Um fato engraçado ocorreu na tarde daquele mesmo dia. Eu estava arrumando algumas camisetas que lavara pela manhã quando percebi que alguma coisa se movera na minha cama. Escorpião, pensei, estarrecido!!! Saí a caça do bicho. Joga roupas no chão, puxa colchão prá cá e prá lá, e o bicho pequeno e bem escuro corre para se esconder. Um pequenino caranguejo!!! Ah, safadinho! Peguei-o e joguei-o no mangue. O pessoal do Hostel e moradores locais disseram que eles aparecem mesmo, em todas as casas e são inofensivos. É o homem invadindo o habitat dos bichinhos.
Há que se por uma placa na entrada com os seguintes dizeres: "Proibido a entrada de mutucas, teiús e caranguejos". Ou quem sabe os bichinhos colocassem uma placa dizendo: "Proibida a entrada de seres humanos em nossa Ilha".
Mas, como tudo que é bom dura pouco, na manhã seguinte a barca sairia ás 8 horas para Paranaguá,PR e eu teria que estar nela.
Acordei cedo, tomei apenas um cafezinho e saí correndo em direção ao trapiche para pegar a barca. A passagem custou R$ 13,00 e a bike não paga nada.
O tempo estava de chuva e a bike foi em cima da barca, bem como os alforges e demais pertences.
Trapiche em Brasília, Ilha do Mel.
Depois de mais de uma hora e meia de barco, chegamos em Paranaguá, onde fiz o desembarque.
Paranaguá, PR.
Paranaguá tem aquele cheiro característico de cidade portuária que, confesso, me faz enjoar. A chuva fina e intermitente transformava a superfície do asfalto num caldo sujo e malcheiroso que acabou de melar o que ainda havia de limpo na bike.
Parei no Banco para fazer um saque e perguntei aos guardas municipais como sair em direção á Morretes, PR, minha próxima parada. Uma vez devidamente esclarecido o caminho a ser tomado, saí pedalando naquelas ruas melosas. Peguei a Rodovia Café Gov. Ney Braga repleta de caminhões grandes, cujas rodas enormes, como spray gigantes, se encarregavam de aspergir a água fétida e suja do asfalto sobre mim. Estava calçando Papetes e logo já não se viam mais os meus pés.
Parei num Posto BR para comer alguma coisa, pois estava com fome e sedento por um café fresco.
Depois de alguns Km a chuva foi passando e a estrada foi ficando melhor, agora com um acostamento limpo e farto.
Peguei um atalho pela Rodovia Dep. Miguel Bufara. Uma estrada sem acostamento mas muito sossegada e ótima para pedalar.
Estava mesmo pensando em como me lavaria e passaria uma água na bike, quando logo após fazer uma curva suave vejo uma torneira plástica, na ponta de uma mangueira característica de uma bica d'água. E não é que era uma bica mesmo! Aproveitei para livrar a mim e a bike daquela lama fedida que eu vinha transportando gratuitamente desde Paranaguá. Lógico que para a Mentika foi apenas um quebra galho, pois ela precisava mesmo era de um lava rápido com direito a lavadora de alta pressão e tudo o mais. Mas ajudou. As marchas que até então insistiam em não entrar, voltaram a engrenar normalmente.
Como a distância entre Paranaguá e Morretes não é tão grande (40 Km) logo cheguei a cidade almejada.
Esperando a passagem do trem enorrrrrme!
Fotos de Morretes, uma cidade bem agradável.
Praça da Estação Ferroviária de Morretes.
Ruas limpas e muitas delas em paralelepípedos.
Foto representativa do "Barreado", comida típica local.
Morretes é uma cidade muito limpa e simpática. Pena que estava um tempo de chuva, o que prejudicou bastante as minhas investidas no sentido de conhecer melhor os locais. Mas deu para tirar umas fotos até legais.
Assim que cheguei a Morretes saí a procura de uma pousada. Não notei muitas na cidade. Encontrei a Pousada Dna. Laura, com preço bem salgado: R$ 80,00 a diária com café da manhã. O quarto sem ar condicionado, com apenas um ventilador de teto, mas bem limpo e arejado. Como não tinha outras opções, acabei por ficar por ali mesmo. Ademais, era próximo da Estação Ferroviária, local do meu futuro embarque para Curitiba,PR.
Assim que acertei a pousada tratei de correr atrás de um posto de combustível onde pudesse lavar a Mentika, minha bike. Conforme orientação do pessoal da pousada, encontrei um Posto BR onde por R$ 5,00 a Mentika tomou um belo banho. Logo que fui buscá-la no Posto me dirigi á Estação Ferroviária para obter informações sobre o Serra Verde Express, trem turístico de passageiros que faz a ligação entre Morretes e Curitiba.
Fotos obtidas a partir de cartazes na Estação.
Nesse projeto de cicloviagem a ideia primeira era de subir a Estrada da Graciosa e chegar a Curitiba pedalando. Contudo, tanto o Valmir do Casal Pedal, quanto o Lulis do Odois Expedição, me instruíram a não fazê-lo devido ás chuvas. O trecho é de serra muito íngreme e os paralelepípedos ficam lisos e limbosos como sabão, tornando a subida até perigosa.
Eu ouvira falar do trem turístico e acabei convencido que seria unir o útil ao agradável fazer esse trecho de trem, cortando a serra do mar, num passeio inesquecível.
Na Estação comprei a passagem para o dia seguinte, ás 14 horas. Passagem mais embarque da bike, R$ 62,00. A bike seguiria no vagão de bagagens, bem segura e acomodada.
Assim que retornei á pousada fiz contato com o amigo Lulis, cicloturista residente em Curitiba. Combinamos que ele iria me esperar na estação de Curitiba para nos conhecermos pessoalmente e comermos uma pizza juntos.
Quase não saí mais a tarde, pois estava chovendo. Na pousada, preparei uma salada e comi com pão fresco. Esse foi o meu jantar. Assisti um pouco de TV, li e-mails, vaguei um pouco pelo Facebook e depois dormi.
Acordei cedo e fui no Bistrô da pousada tomar o café da manhã. Um bom café, incluindo suco de Pitanga (raro em Sampa) e frutas frescas.
Tirei a bike do porão, onde ficara protegida das intempéries, e fui ajeitar as coisas. tudo arrumado, banho tomado, saí cedo para almoçar. Encontrei uma lanchonete que servia PF caprichado por R$ 11,00. Almocei bem: Arroz, feijão preto, macarrão, bife e salada. O tempo passou depressa.
Logo deu 13 horas e como eu tinha que chegar á plataforma de embarque com meia hora de antecedência, fui para a pousada pegar a bike.
Na estação tudo bem, no dia anterior eu descobrira uma entrada lateral onde havia uma rampa, assim fugi dos degraus para acessar a plataforma.
O belo vitral na antiga estação, ora desativada.
Operários ao longo de ferrovia.
Três vagões descarrilados, carregados de açúcar com destino a Paranaguá.
Muitas pontes altíssimas! Pena que o tempo estava totalmente encoberto devido às chuvas.
Cachoeira ao longe.
Muitas hortênsias ao longo da ferrovia, após a serra é lógico.
Lagos e rios.
Olhando para a frente...
Olhando para trás.A Mentika está naquele último vagão.
Ruínas.
Uma senhora, a Guia, vai narrando a viagem e chamando a atenção de todos para os pontos de interesse , ao longo da viagem.
São 13 túneis, o mais longo com quase 500 metros. Pontes sobre verdadeiros abismos que chegam a dar frio na barriga quando olhamos para baixo.
A passagem no vagão turístico, onde eu estava, dá direito a um lanche, uma água ou refrigerante.
São mais de três horas de viagem emocionante. Valeu muito a pena voltar esse trecho de trem.
Haviam pessoas de várias nacionalidades no vagão turístico. Dava para perceber devido aos vários idiomas falados por eles.
Entre muitas paisagens e apitos, cheguei na Rodo-ferroviária de Curitiba.
Lá estava o amigo Lulis a minha espera. Foi muito legal conhecer pessoalmente mais um cicloturista, alguém que compartilha os mesmos prazeres de andar e viajar de bike.
Ele estava de carro e tratamos de colocar a bike dentro do carro, pois iríamos para uma pizzaria colocar os papos e as barrigas em dia.
Chegamos na Pizzaria e logo começou a chegar mais amantes do pedal.
Da esquerda para a direita, Dú, eu, Sabóia, Pedro e Lulis.
Foi um encontro memorável. Batemos muito papo, demos muita risada e comemos muita pizza. A recepção foi brilhante. Espero estar a altura de poder recepcioná-los da mesma forma se um dia resolverem vir á São Paulo.
Minha passagem era para ás 22 horas, com chegada prevista para 4:30 no Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo.
Assim, de volta á Rodoviária de Curitiba, despedi-me dos amigos e embarquei num ônibus da Viação Cometa com destino a São Paulo. Sempre dou preferência a essa Empresa, por ser amiga do Cicloturista.
Chegando em São Paulo, não pedalei até em casa como costumo fazer, devido ao horário. São Paulo anda muito violenta e não é nada aconselhável sair pedalando ás 4:30 da manhã. Peguei um Taxi que me deixou na porta de casa.
E assim, com a graça de Deus, encerrou-se mais uma cicloaventura do Antigão.
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Até que não foram tantos Km pedalados, uns 400 talvez. Mas o que valeu foi conhecer pessoas com as quais eu fazia contato e não conhecia pessoalmente. Foi muito gratificante conhecer e fazer amizades novas, passar alguns perrengues, tais como ser "devorado" por mutucas, atravessar a Ilha das Peças com muito medo de ficar preso até a maré baixar e etc.
As paisagens que eu vi não podem ser reproduzidas fielmente por fotografias, é preciso estar lá para vê-las e senti-las.
Agradeço a Deus por mais essa oportunidade de conhecer mais essa fatia de Sua infinita criação.
Meus agradecimentos ao Valmir e Alcione do Casal Pedal; ao Lulis do Odois Expedição e Cicloturismo. Vocês foram peças chaves preparadas por Deus para me ajudarem nessa prazerosa empreitada.
Dedico esta cicloaventura á minha esposa e companheira, que sempre me apoiou e muito me ajudou nos preparativos de cicloviagens.
Referências:
Casal Pedal: http://www.casalpedal.com/
Odois Expedição e Cicloturismo: http://odois.org/
Por ora, obrigado pela visita ao Blog e um grande cicloabraço do...