Da Ilha do Superaguí á Ilha do Mel. E as mutucas atacam novamente!
Saí da Ilha do Cardoso a bordo do Ana Lúcia, conduzido pelo Sr. Salvador, com destino a Ilha do Superaguí.
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O Sr. Salvador com muito custo me deixou na Ilha do Superaguí, depois de muito sacrifício para desembarcarmos a bicicleta, alforges e outros pertences. O mar estava uma fera, com ondas que arrebentavam com violência na praia estreita e deserta.
Ao longe, alguns pescadores em suas voadeiras observavam o nosso dificultoso desembarque. Confesso que até pensei que algum deles viriam em nosso socorro, mas nada, ninguém nos ajudou.
Mentika já pronta para rolar os 35 Km de areia até o próximo trapiche.
Superaguí, PR, lá vamos nós!
As praias eram largas, a areia estava dura, excelente para pedalar. Mar á esquerda, mata e dunas á direita.
Durante vários Km só vi areia, mar e as "Maria Farinha", caranguejos simpáticos que corriam da água para a areia seca. De vez em quando algumas gaivotas ou urubus que se alimentavam de carcaças apodrecidas de peixes ou qualquer outro animal marinho.
De repente começo a notar marcas de rodas de uma bike. Percebo que a bike que deixou aquelas marcas passou por ali recentemente, senão a maré já as teria apagado. Fui seguindo as marcas, as quais como eu seguiam em direção à Vila, cortando valas inundadas e riachos.
Alguns Km adiante, sei lá quantos, encontro a bike e seu proprietário, naquela imensidão de praia deserta.
Trata-se do João dos Reis, um jovem pescador de 21 anos, que diariamente percorre os 60 Km (ida e volta) que o separam da Vila. Estava seguindo para a Vila, então fomos juntos, batendo papo. Aproveitei para tirar o maior número de informações possíveis sobre a Ilha e seus habitantes. Até aquela altura apenas uma ou outra mutuca aparecia para nos aborrecer com suas picadas doloridas.
O pescador, agora amigo e companheiro de cicloviagem, João dos Reis,
com sua bike simples e sem nenhum freio.
No lugar onde nos encontramos ele deixou armada uma rede de mais de 1000 metros.
O Valmir do Casal Pedal tinha sugerido que ao chegar na Vila eu procurasse o Sr. Zeco, pois o mesmo tinha uma Pousada e Camping e, além disso, poderia me ajudar conseguindo um barco para fazer a minha travessia para a Ilha das Peças.
Comentei com o João e ele disse que conhecia o Sr. Zeco e ao chegar á Vila me mostraria sua casa.
Uma boia que não flutua mais, perdida na areia da praia deserta.
Praia e mais praia, areia e mais areia. Durante horas pedalamos nessa paisagem, onde o único som era o das ondas quebrando na praia. O João não era de muito falar, até porque percebi que tinha uma certa dificuldade de dicção. Assim por muitas vezes ficamos mudos, pedalando lado a lado.
Opa, chegando a Vila. Os meninos brincando de canoa.
Pouco antes de chegar á Pousada do Seu Zeco, despedi-me do amigo João, que ficou num comércio para tratar de negócios.
Na Pousada do Seu Zeco não fui recebido com nenhum entusiamo, para o dono de uma pousada. Seu Zeco sequer comentou sobre a pousada ou camping. Assim, tomei apenas um refri em seu bar e perguntei-lhe se conhecia algum pescador que pudesse me atravessar para a Ilha das Peças. Ele disse que acabara de falar com um pescador que viera vender peixes na Vila e, portanto, ele poderia me levar.
Uma vez avisado, o Sr. Almir veio falar comigo sobre a travessia para a Ilha das Peças. Após alguma discussão combinamos R$ 30,00.
O barco dele estava ancorado bem longe da Pousada do Seu Zeco, assim despedi-me do Seu Zeco e acompanhei o Almir.
Colocamos a bike no barco e entramos no canal.
Quando chegamos do outro lado, na Ilha das Peças e eu fiquei tagarelando com o Almir quando ele me advertiu: - Olha, melhor o Sr. andar depressa porque a maré está enchendo e não sei se vai conseguir chegar á Vila..
Nossa, eu me esquecera desse detalhe!!! Com a maré cheia seria impossível atravessar a Ilha das Peças!
O Almir foi embora e eu fiquei ali que nem barata tonta, tentando ajeitar as coisas o mais rápido possível. Sabe quando você levanta atrasado para ir ao trabalho e não sabe se toma banho ou escova os dentes primeiro? Eu estava desse jeito.
Maré cheia, praia muito estreita e cheia de galhos caídos, areia fofa, riachos cheios e quase intransponíveis, uma loucura.
Comecei a pedalar e aí me dei conta da besteira que eu tinha feito. Tinha que pedalar dentro da água, pois fora dela a areia era fôfa e a bike atolava. Eu estava ciclonavegando e não pedalando simplesmente.
E para piorar as coisas... Mutucas!!! Centena delas, picando até a sombra!!!
Tenho certeza que se alguém me visse pedalando naquele lugar e naquelas condições me chamaria de doido varrido.
Pensando bem, até eu já estava duvidando da minha sobriedade e lucidez naquele momento.
Este riacho é pequeno, mas houve alguns que eu nem vi se dava pé ou não. Arrisquei e enfiei a bike no meio das ondas bravas e, graças ao Papai do Céu, saí ileso do outro lado.
Atravessei no meio de galhos caídos, outros eu tive que remover para poder passar, confesso que estava em desespero de causa, pois não queria ficar "ilhado" naquele lugar deserto, sendo comido pelas mutucas gigantes.
Tentava ir mais rápido, mas a areia fofa me impedia de pedalar e em muitos trechos tive que empurrar a bike, que mesmo assim insistia em ficar grudada na areia.
Mutuca enorme, sugadora de sangue.
Não deu para tirar fotos, pois cada segundo era importante e eu precisava sair dali a qualquer custo e muito rápido.
Nem lembro quantos Km foram, nem o tempo que demorei, mas de repente avistei a Vila e quase chorei de emoção. Eu conseguira!
Estava cansadíssimo, suando em bicas, pois estava um mormaço danado. Entrei numa das ruelas da Vila a procura de um bar. Ah, eu precisava tomar uma cerveja bem gelada e descansar. Uma senhora me indicou um bar.
Entrei no bar, que tinha as portas teladas mas mesmo assim as mutucas conseguiam burlar de alguma maneira a tela que as impedia de entrar. Ainda bem que não eram todas que entravam!
Monstro alado e vampiresco do lado de dentro da tela. Dá para ver a capa do alforge amarelo e laranja, na bike do lado de fora.
Assim que entrei fui muito bem recepcionado pelo sobrinho do dono do bar. Estavam em três tomando uma cerveja: O dono do bar, o sobrinho e o cunhado dele.
O sobrinho já meio alto passou a me elogiar e fazer perguntas de onde eu vinha, para onde ia, e por aí adiante. Comentou que acabara de limpar umas Paratis (peixe) que o cunhado do Sr. Beto, o dono do bar, trouxera. Dava para sentir o doce aroma de peixe frito - adoro peixe frito!
Naquelas alturas, o Sr. Beto perguntou se eu já havia almoçado e como eu respondi negativamente ele me convidou para almoçar com ele.
Que almoço delicioso! Arroz, feijão preto, Parati frito e farofa. Era mais do que um manjar dos deuses!
Sr. Beto, um gentleman!
E como o Papai do Céu não faz nada pela metade, o Sr. Beto disse que seu cunhado - que ali estava - era pescador e tinha um barco ancorado no trapiche. Quem sabe não combinávamos e ele me atravessaria para a Ilha do Mel?
Fechamos a travessia por R$ 30,00 e marcamos para eu encontrá-lo no trapiche, assim que acabasse de almoçar.
Poxa, que legal! A Ilha das Peças com sua maré cheia tinha me pregado uma boa peça, mas compensara com seus habitantes tão gentis! Até as mutucas deram uma trégua!
Bom, barriga cheia fui ao encontro do cunhado do Sr. Beto com seu barco.
Trapiche da Ilha das Peças.
Ilha das Peças ficando para trás.
Muitas ondas, mas o que importa? Eu estava a poucos metros de desembarcar na Ilha do Mel!
Paguei o Capitão, desembarquei a Mentika, os alforges e olha o nosso Capitão retornando para a Ilha das Peças!
Eu estava na Ilha do Mel! Sim, graças a Deus, eu chegara ao local que eu tanto almejei chegar um dia!
Desembarquei defronte a esta torre abandonada que agora assistia a minha emoção.
Agora seria pedalar por esta praia deserta, larga, de areia dura até achar alguém que pudesse me informar como chegar ao "centro", às pousadas, ao local onde eu iria descansar por uns dois dias e curtir a Ilha.
Bom, como eu cheguei a esses lugares fica para o próximo relato.
Não perca Praia do Farol, Praia do Forte, dentre outras!
Obrigado pela visita e um grande cicloabraço do...